quarta-feira, 12 de julho de 2017

Como habitar um corpo sem órgãos

“Como habitar um corpo sem órgãos”


Exposição de Liliana Velho
Oficinas do Convento / Galeria Municipal de Montemor-o-Novo
Festival Cidade PreOcupada, Junho-Julho 2017


Na Oficinas do Convento, ao fundo do claustro, pendura-se um corpo sem órgãos. Ficou só o contorno dos membros, desenhados a cerâmica. Um rosto de sono tranquilo contempla – de olhos fechados – um céu branco de estrelas azuis: são dezenas de pequeníssimos pratos vidrados que cintilam contra o branco deslavado dum arco do claustro, sob os quais se aninha um discreto assento, propício para a meditação ou o namoro.
Os órgãos, conta-nos a Liliana num texto levemente trocista, foram abolidos; o corpo deles se desfez em busca de outras formas de sentir e viver. Libertou-se da escravidão de rins, fígado, pulmões, bexiga, olhos e cérebro, guardando – já lá vamos – só o coração.
A revolta do corpo, e também do coração, regista-se na Galeria Municipal. Lá a Liliana mostra uma sequência de pequenos poemas em cerâmica – historietas, anedotas, relatos da vida de um corpo em busca de … algo. Algo, talvez, que substituiu a rotina dos órgãos, a coscuvilhice dos ossos.
Há cabeças, geralmente a dormir, negros ovários ou bacias em metamorfose, pés grandes ou pequenos como se fossem carcaças descalçadas, clavículas tagarelas, e também corações espetados, corações em flor, corações feitos de retalhos amassados em todas as cores do barro. E há outras histórias mais complexas: uma espécie de rapunzel de cabelo atado abraça duas ânforas no lugar do coração; outra figura segura a cara nas mãos enquanto pisa o coração; duas mãos de ásperas luvas sem dedos manuseiam o que parecem pulmões ressequidos; a mesma forma aparece atrás de uma grade, presidida por uma cara que me evoca a tristeza do palhaço; um corpo esvaziado – lá dentro ficaram só umas flores secas – segura a cabeça nos braços, penteando o cabelo, sob um firmamento de pentes que pode ser sonho ou ameaça … Há uma bailarina em queda, um rosto que espreita por cabelo feito tronco ou gruta, um velho com corpo de menina, uma escada  que sobe pelas virilhas ao umbigo.
Parece que a Liliana vai recolhendo todas estas pequenas e secretas histórias e as faz dela. Uma obra faz de auto-retrato: é um corpo-armário que guarda pequenas cópias da obra já feita (os pés e as mãos, os seios sem corpo, a cabeça que derrama fios de lã pelos olhos, os estranhos animais que sempre povoam as margens do seu mundo). Recordações e trastes que traz dentro de si, obras que fazem de órgãos e sentidos, encaminhando sensações e sentimentos.
Volto então ao coração e à busca do que falta. É difícil de explicar esta certeza intuitiva de que não é só – como diz a artista no texto da sala – um corpo desfeito em paisagem ou cenário de fragmentos, mas também um corpo-memória, um corpo que se enfrenta ou mergulha numa suave carência. Talvez tem a ver com todos os corações presentes e ausentes. Há algo de ansiedade feita nostalgia.

Na parede de fundo, uma surpresa nesta paisagem de doce desolação: dois mãos se juntam, mas nem são iguais, nem agarram só o vazio. Os contornos de dois corpos completam-se, fazem ninho por baixo de um cobertor, dão lugar a que os corações se multiplicam.
Gerbert Verheij

segunda-feira, 19 de junho de 2017

Cidade préOcupada está a chegar

Cidade PréOcupada 2017- Montemor-o-Novo - Portugal

A nona edição da Cidade PréOcupada será de 14 junho a 9 de Julho e vai ocupar diversos espaços da cidade com música, performance, oficinas, teatro, instalações, exposições e associativismo. Uma organização da Associação Oficinas do Convento.

Deixamos registo de alguns eventos ligados às artes plásticas agendados:
16 junho – 14:00 às 19:00 | 17 junho – 10:00 às 19:00 | 18 junho – 10:00 às 18:30. Atelier onde a Serigrafia terá lugar num atelier intitulado: AR DE BICHO – Cartazes no olho da rua com a Oficina Arara.
De 21 junho até 22 Julho,  teremos na Galeria Municipal exposições semanais com a seguinte sequência:
21.6: o projecto Cuckoo Clocks do colectivo West Coast, que envisiona um espaço de alerta e consciencialização para as espécies de aves em risco de extinção na Europa.
ainda o exposição Memórias de uma clavícula de Liliana Velho.
28.6: Desenhos de João Sofio e Tiago Fróis.

5.7: Noite exposição de trabalhos de Ana Pinto João Rolaça.
De 25 junho até 9 Julho, no convento S. Francisco e Galeria BREVE MENTE, instalação “Noonwalking” da autoria de Nuno Lemos com imagens oriundas dum percurso que se concretizam numa Video-Instalação e em Pinturas.
De 6 julho até 22 Julho, na Galeria 9ocre, exposição de Renata Bueno e Susana Marques intitulada “Podia virar um livro”. Na parede do fundo, um enxame de desenhos pousado. É a transposição direta de uma parede do atelier de Susana Marques para o espaço da galeria, tal e qual. Ao lado, Renata Bueno apresenta bonecos de outro tempo, um tempo em que tinha paredes, tinha um atelier. Dez anos se passaram e agora a artista mostra o passado e cria, hoje, novas monotipias a partir dele.

A programação pode ser consultada no site : http://www.oficinasdoconvento.com